segunda-feira, 31 de agosto de 2009

AMOR REAL

O amor real é patético.
É o conforto da poltrona,
Lareira acesa, vinho antigo
Velho disco na vitrola.

É o ombro amigo, meigo e tenaz.
Ao mesmo tempo, sólido
E veludo, se é que estás
Entendendo o que digo.

É o tenro sabor da idade
Das águas das cachoeiras,
Nostalgia e austeridade,
A terna voz conselheira.

Paciência e solicitude,
Carinho e simplicidade,
Sacrifício e servitude,
Resquício de humanidade.

A poupança dos amores
Que foram sonhados, porém,
Sem dores e sem sofreres,
Fixaram-se em alguém.

É a recompensa da viagem
Mais prudente e precavida.
De todo o temor à estiagem,
Preparada e prevenida.

O amor real não é uma pedra,
Nem as flores, nem a estrada, nada.
É uma armadura que medra
A confiança hoje encontrada.

É o amor dos pragmáticos,
E também dos entediados,
Muito seguro e prático,
Socialmente admirado.

Para os verdadeiramente
Aspirantes de seus sonhos
O amor real é, e o é realmente,
Uma merda sem tamanho!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

CARPE DIEM IMPOSSÍVEL

O roçar do tempo nas peles e plantas
É como o farfalhar das folhas, como o mudo
Eriçar de pêlos, germinar de sementes
Intenso comunicar de entes invisíveis
E trata também de intangíveis horizontes
A atritar céu e Terra na linha do infinito
A erodir a alma em estrídulos inaudíveis

A exaurir o gozo de regalias tantas
A atropelar o anseio, deixar o esteio desnudo
Vulnerável o alicerce ao sabor das gentes
Com o tempo ao calor o contato vai cedendo
Os dois planos indivisíveis se aquecendo
Os olhos a refletir o vermelho gasto
E o amarelo do agudo raio de infindos sóis

Assim o dia vai morrendo, e assim vamos nós, santas
Almas, de auras que o tempo rapa, que de surdos
Faz os atentos, de jovens, velhos dementes
De crianças inocentes, adultos sedentos
Do modesto e humilde, o áspero e o avarento
O humano o tempo arranha, rasga a seu contento
Os resilientes têm couraças perecíveis

Que aos vermes agrada. Da mais ignota casta
É devorada a polpa, da mais sacra, tudo
Só resta a fome, o alimento do existente
A sede é a água dos viventes, o pecado
É o pó dos penitentes, o ouro é a salvação
Enquanto vive o vivo busca apenas luto
Mas se diverte com a sua distração, focado

Em não refletir sobre o espelho d'água, vasta
A digressão que elabora ao ter contemplado
O próprio monólogo escrito no semblante
Da imagem. É assim, verá a si mesmo no fundo
Do lago, apodrecido, inchado, devorado
No fundo, o pecador repudia o defunto
E o santo almeja o féretro. Pobres ignavos...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

DESCONHECIDA ou CECÍLIA

Ó, musa dos fulvos ensolarados!
As sendas que percorres são os mais
Belos tecidos bordados! Se cruzados
Teus caminhos, mais me envolvo nos carnais

Deleites, prazeres, o imaginário,
O ideário, estou envolto em romances
Banais, livra-me dos desejos vários,
Dos teus cabelos, teus quadris, tua nuance

E trejeitos... Desse desalento!
Dá-me o despojo, dá-me o desapego!
Afrodite! Tu habitas o Olimpo!
Só vês nuvens, eu abaixo só te vejo!

Quando por mim passaste, nem um rumor
De brisa sentiste, nem um ar de pesar,
Nem um ai de suspiro, nem sequer seu humor
Eu vi mudar, teu olhar fixo ao passar

Não se distraiu com este pormenor,
Com este estético detalhe, não ouviu
O rasgar do tecido, meu tom menor
Ressoando em súplica teu olhar não viu.

Pois jamais me viste, Ó Semideusa,
Já disse, tu habitas o humor do céu,
O nevoeiro solene, a beleza
Das águas cintilantes, num escarcéu

De espumas, estrídulos do mar poente.
Essa é a tua casa, como há de escutar-me?
Grito sob o enlevo dos teus enfeites,
Mas tu fitas o sol sumindo no lume

De sua corona, me deixando o lusco,
Mas tu ficas bem, teu interior transborda!
A escuridão me ensurdece, o fusco
Me entorpece, mas tua forma alumiada

Distingue-se do fosco, o rubro sutil
De ti emana, te faz mais formosa ainda!
Liberdade guiando o povo, gentil
A vida repousa sobre as tuas ancas!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

FULVO

De uma maneira semelhante a qual eu
Tento inutilmente mixar idéias,
Combinar palavras, fusionar temas,
Entrelaçar os raios e espectros,

O universo se comporta como Deus,
Envolvendo tudo em sua inércia,
Encolhendo a natureza de forma
Que não consigo mensurá-la em metros,

Mas em cores, reações e interações.
Meu santo graal é falar do que penso,
Mas para todo cálice que ergo
A luz teima em cintilar diferente.

O granulado de milhões de sóis
Que emana do objeto não é denso
Como o pesar derivado do meu ego,
Ego ouriço, agudo, pungente

Mas profundo, enorme como um lago
Gélido em pontadas, terno em liquidez
No poço escuro da minha alma, ternura
Que tenho assim para comigo mesmo...

Enfim, eu realmente nunca rogo,
Mas a natureza me atende, de vez
Em quando, me faz sentir a textura
Que sentimos antes de adormecermos.

Quero a fotografia existencial
Deste instante, o perfeito desenho
Do fulvo oxidado, rubro dourado,
Da brisa inebriante, do tenro e amargo,

Claro, límpido, suave e com especial
Mescla entre húmido e seco, e com empenho
Prossigo, as coisas todas roçando
A pele, feito correntes no âmago

Do oceano, no estômago de netuno,
De Kronos, do cosmos, cerne do Sol,
O fulcro do adimensional ponto
Que sou. Perdi-me ontologicamente

E também no texto. Tornei-me uno
Com o todo e o resto. Sem uma coisa só
Explicar, jamais enxergarás isto.
Por isso escrevo amarguradamente.

CANSAÇO

Há um turbilhão sobre a cama
Em que meu espírito deita
Para descansar deste dia
Sentado nesta cadeira

É o som de uma cachoeira
E revoadas, debandadas
Tendo uma folha inteira
Ainda a ser preenchida

A poesia clama e declama
Mas minha alma está cansada
Já se extinguiu a minha chama

Acordo do entressonho
Como a tarde está calada!
Deus, que descanso medonho...

SEIXOS

As tradições dos homens não me despertam
Nem mulhereres de bocas delineadas me apetecem
As bocas de que gosto não precisam ser finas
Vibrantes, sorridentes, nem as que os suspiros engrandecem
Passo o dia inteiro dormindo
Mas desço à ribeirinha
Ainda na manhã de domingo
Cortando o éter da monotonia
Resgato da memória um garimpeiro
Catando pedras das águas leitosas
Separando de toda variedade
As pedras mais iguais que pode
Mas quando seu ectoplasma some
Olho para os seixos sobre os quais ando
E são estas pedras que me atraem para a descida
Caso avistasse ouro, logo venderia
Mas uma pedrinha cujo formato jamais vi
Guardá-la hei por toda a vida
É a memória carinhosa do calor
Com que a natureza me abraça
Entre tantos ourives destruindo
A forma com qual a pedra fora encontrada
A lapidar o que já foi único
Para igualar ao que já se fez
Prefiro pedras sem brilho
Sem sorriso,
Mas mais raridade em sua tez

terça-feira, 18 de agosto de 2009

MAIS UMA

Tua existência judia da minha filosofia
Tua presença brinca com meus valores
Tua imagem torce o meu espelho
Tu não sabes mais de mim do que eu de ti

Te esperei por toda a vida
Mas pena não teres mais cedo me encontrado
Por fora és a mais perfeita de Pablo
Por dentro temo entendê-la menos que Dalí

Pois tua prosa já escrita se fez
Tua poesia rimada ou não
Tuas cores, bordadas, tuas formas
Moldadas, fundidas, lapidadas

A artista que encarna teus sopros
Teus suspiros, falares, pensares e pesares
Talvez ache que tua obra não se encaixe
Na mesma parede que a minha

E talvez não se encaixe de fato
Contudo, o alvoroço, o rebuliço
Que tu causas só de estar à vista
É suficiente para toda a admiração

Todo o encanto, todo o espanto
Toda a nobreza que te cerca
Visível aos meus olhos, é ipermeável
Aos meus desejos, é ipermeável

Aos meus pensamentos

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

FULGOR

O que fazer com toda a inquietação
A timidez pungente, o arrependimento
De saber que não se terá agido
E toda a falta de entedimento
A respeito do que está acontecendo
Não é hora epifânica e de razão

As teses trêmulas, sucumbindo
A saliva chove alma adentro
A trepidação do espírito
É perceptível no centro
Do meu humilde e estrito
Estar, vais assim me arrebatando

Tudo isso é pouco, pra explicar meu desconcerto
Meu falar é rouco, meu falar comigo mesmo
Meu ar é seco, o que incrementa o desconforto
O que implementa o desespero, lirismo
Exagerado, clichês, tudo aqui tem algo a ver
Mas não tem solução, qualquer um pode entender

Porque que mais um ser humano consegue
Além de se manter de pé
Diante da presença de alguém
A quem uma singularidade física
Persegue, o espaço-tempo
Encurta caminhos, trajetos

Tanto aproximas nossas almas que até
Do teu calor a minha se apetece
Não mais do que uma mulher para outrem
A criação da singularidade mais única
Para mim, e nada tento
Apenas te observo os trejeitos

Teu nome nem sei
Se foi escrito ao lado do meu
Menos
Mas és tão rara para mim
Que sinto o furor de te ter descoberto
E ardor de poder deixar-te ir