sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

POESIA MENTAL

Eu gosto de descer a este vale, as recordações são boas, mesmo que não tenha havido nada de especial todos esses anos.
O laranja é uma cor horrível? Quem diria algo assim... É a cor que o céu escolheu ter. Vermelho também. Azul, só lá em cima, onde o Sol não alcança, ele está quase escorregando nas costas das montanhas, muito distantes. De lá ele lança essa penugem rústica, inflamada, morna, tenra, esse véu amarelado. O verde da grama selvagem se agita, se enternece, escurece de acordo com a distância, fica translúcido ao se aproximar das montanhas, longínquas. É como se o Sol ao entrar em contato com a rocha estridulasse, me fazendo desejar que ele descesse de vez e acabasse com a pressão na minha cabeça. Não agüento mais, esse momento está se tornando insuportável. As nuvens estão dispostas como se alguém tivesse as agitado, antes era o mel perfeito disposto sobre a calda, mas alguém mexeu e elas se dispersaram e se distorceram, se misturaram, assumiram várias cores, rosa, preto, branco... O barulho faz com que a imagem desfocalize, entonteço.
Caio na penugem. Não sei onde está o Sol. O céu derreteu, azul, roxo, branco, verde, amarelo, laranja, vermelho... Em breve o calor vai embora e o céu congela. Eu também se ficar aqui fora.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

DNASE

Fazer... – Sangue
Branco
Tinta
Sol
Terra
Forma
Fôrma

Desça, ascenda ao trono das nações
Não tema dúvidas ou intimações
Assegurai-se de não macular
Se por acaso te profanem o lar
Estes todos viventes, as plebes

A teus pés gritam
Nos escarnecem
Os mantedores
Milhões em sinergia, se apetecem
Ignorantes e destruidores
Alento e afago, na dor se agitam

Analgésico...
Nos dêem... Nos dêem!
Alento... Onde?
Ratos são tudo
Querem que os comamos? O que pedem!
Uivos, rosnados é o que se entende,
Indaga-se, pois nós tendo estado
A nos dirigir a vós, lógico,

Não tendo sequer léxico para
Acompanhar o rugido vosso
Daí se tira que não nos ampara
A voz do vosso consolo, posso

Eu utilizar esses argumentos
Indaga-se: que está acontecendo?

Viu agora com olhos graves, pesados
Este caminho seco na pele
Deveras, entretanto, dos fardos
E dos castigos, fértil na carne

A verdade, vede a verdade...
Sede a si mesmo
Pois a vida e seus meios
Estão desnudos para ti
E sangue...
Dissabores...
Desilusões...
Restam...
Desintegrados
Como na hora da morte
Os pensamentos
Se reintegram
À sinapse
Da
Realidade...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A CONTRAÇÃO DO TEMPO

- Professora, eu até entendo... Mas o que você quer dizer com isso?
- Não é um assunto muito delicado... Você não lembra de quando tinha acabado de nascer?
(...)
- É um lançamento interessante... Cê não tem pena mesmo de dizer o que quer! Mas em alguns poemas tem uma coisa diferente... No que é que cê tava pensando quando escreveu isso? Tem a ver com Einstein?
- Só parece ter a ver comigo. Eu atei as duas pontas da vida uma vez, e isso reduziu tudo O que existe ao que viria a ser um sinal de que já houve pó, mas nem isso existe mais. Não sugiro que faça o mesmo.
- Não sugere que leiamos o livro?
- Não sugiro que pensem.
- Mesmo assim você está rindo!

‘O caminho que sigo é simples, entre o que sobrou das guerras e das pestes,
No paraíso que é a cidade, alicerçado com os ossos das plebes.
Diferente de quem nunca teve a chance de seguir com uma breve
Viagem, devaneio boêmio ou inferno em vida, situação que releve,
A cada despedida, a mácula no sorriso – por detrás da pele.

Isso tudo é interferência que meus olhos me transferem, se os fecho
O que está dentro de mim é o que se segue, e só mesmo no que eu me cegue
É que constantemente me verei preso no que invariavelmente me vejo.
Ora! Mas afinal de contas, o que é que eu estou fazendo? Há algo que faço
- E que por acaso me transfere-, como forma de energia, de um lugar para outro?

Se no começo não existo, ou se tudo o que existe tem um começo
Como posso eu admitir a condição em que agora me encontro
Se não está escrito em nenhum documento os meus direitos
Como vou acatar as ordens d’outrem? Nem deveres tenho
Mas se na verdade paro para colocar o preto do branco:

Pergunto: de onde vem o preto? Quando o branco e preto
Deixaram de ser um só, quando eu deixei de ser, nesse ato,
A tinta da caneta, quando meu sangue deixou de fluir para o papel?
Quando ele passou a fluir pelas minhas veias? E também os vermes
A devorar minha carcaça, também as artérias, a me nutrir com o gel.

No meio das ruas, vielas, avenidas, do universo do tamanho dos germes
À repetidamente inimaginável imensidão dos quasares, buracos negros,
Nenhum desses elos se conecta do mesmo jeito, na dendrítica formação
Da vida, interligada pelo que chamam ‘Deus’, mas já chamaram tanta coisa!
Pois os neurônios dessa entidade não parecem saudáveis, a não ser

Que lhe seja necessário o perdão, o que quer que seja apreender a informação
De que aqui estou, não interferirá no meu existir, mas desde quando
Eu deixei de ser um neurônio da realidade, ou a tinta verde que o representa
Nos livros de biologia, ou livros de arte, o que tudo isso quer dizer
Não é capaz de interferir no que quer que venha a acontecer no fim das contas.

Desde o começo, estive aqui escrevendo, mas o fiz por um razão que não escrevo,
Simplesmente por a escrever não saber, simplesmente porque não a conheço.
Infelizmente não vejo motivo de estar infeliz, pois estar infeliz seria um desejo,
Posto que buscaria estar feliz, mas nem para isso vejo algum motivo...
Enfim, estar escrevendo consome tudo aquilo no que consisto,

E, no fim, o que serviria para transmitir minha idéia fica,
Mas o fato de que podem vir a ler isto não implica
Que minhas carnes regozijarão no interior da tumba.
Isso nada interfere na vida, nem mesmo aquela cena
Da sociedade destruída, é só uma conseqüência,

É só uma invenção. Do começo ao fim eu venho testemunhando
As coisas acontecendo, mas nada no meu eu vai sofrendo.
As coisas eu vou sentindo, mas nada na realidade vai mudando.
Nada se cria, nada se perde, tudo continua o mesmo,
Apenas a faceta fica diferente, na hora da morte, na hora do nascimento:
A mesma hora, as duas pontas do buraco negro, uma na cor do preto, outra na cor do branco.’

terça-feira, 11 de novembro de 2008

ANOMIA

No vago e vão, no sem luz, mas sem visão
Sem corpo, sem espaço, sem traço e função
Como envolto no âmnio materno

Depois nos ermos, ao sol, em evolução
Um tronco e quatro braços, mas da cisão
Elegíveis ao solo terno

Mas a palavra “terno”, qual mais dúbia...
“Sentimento”, “pensamento”, súplicas
Por um qualquer entendimento

Restrito, forçado pela fobia
De inexistência, críticas, réplicas
Ao nosso tal procedimento

De qualquer modo, a falta e a ausência
Contra tais, proclamações inflamadas
Contra a anomia, ressentimento

Por seu receio da negra desistência
Medo da loucura, tão transtornadas
Almas, inferno em desalento:

Um monstro para elas! Só que também
Grande e eficaz fusão entre razão e amor
Quando interminável o tormento...

Máquina em funcionamento! Nessa... Bem...
Sociedade, biosfera, mas com temor
A essas palavras entretanto

Se antes no vácuo, já hoje entre paredes
Vazias por dentro, sem cores nem sede
Por colorir o inexistente

E nenhuma compreensão, pois ninguém
Como pessoas, crentes n’outrem, n’alguém
Ao nosso agir indiferentes

Com olhar vetado... Tudo pressuposto...
À sabedoria, ao método, posto
Que todos mudos por covardia

Braços agarrados em sua afasia
E tão prolixos quanto esta poesia
Às refutas de que ainda um dia...

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

PROLÍFICO

Palavras estas que queimam o meu intento
As observo, malho!... Limo, suo e teimo!
Minha alma ferve e por isso que tento!
Mas de quê que adianta?

A estrofe quebranta
Se perde aí todo esteio, depois de tanto
Que já foi feito... Não há ermo para termos
Onde naufragar sementes sem alento

Se a vida prolifera e ulula em mente
Vemos logo que não passa de apenas
Uma elegia tocada intermitente
E para que canta?

Se tal morte astuta
Aparece preta, assusta a gente
Sussurra visceral, espalha penas
Vem e vai ilusória e sorrateiramente

Ao final eu não consigo captá-la
Não sei pintá-la, e é que até persisto
Por entre orações da vida, mas cala,
Porque... adianta?

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

RISCO SURDO

Dentro dos tímpanos a agulha risca
É da imaginação ou será que é real?
No oceano seco qual a estrela pisca
Seja por defeito ou sei lá de que mal

Mas enfim, um de meus neurônios vibra
Entre notas agudas e abafadas
Não enxergo muito bem, há uma penumbra
De sangue agitado nas claras caldas

Oculares, tombarei fulminante
Necessito rápido assentar-me
Que é essa cena de terror na mente?

Mas já não sinto mais o mesmo dantes
Vários calmantes emudecem o alarme
E o zumbido e os cliques tiquetaqueantes...

EM DESCENDENTE

As imagens turvas vão condensando
E o branco devagar apodrecendo
Aos poucos decai o vermelho em amarelo
Verde, azul, violeta, caramelo

Parecendo a cor da minha íris, frio,
Quente, vapor, flutuações e calafrios
Acinzentando, se descolorando
Meu corpo e meus olhos se dissolvendo

Até o ponto em que eu mesmo vou turvando
Fumegando em espirais, assim brotando
Da pele em gêiseres, se distendendo

A mostrar que as costas desaparecem
Em ritmo descendente, revelando
A desintegração dos que adormecem...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O SORRISO DE LIZA

Por todos os lados as inquietudes
Irrompem, as desventuras colidem
Os destinos descruzam, as virtudes
Se omitem, as noites caem, sóis se poem

Nas safras não colhidas, nas estiagens
Nas épocas em que a alma embarca em viagens
À procura de qualquer regozijo
Pode-se deparar com isso que vejo

Bem na porta do trem do pensamento
Um calor maior que a gelidez do vento
É irradiado da face que não avisa

Da própria sinceridade, e eu tento
Entender, apesar desses momentos
Essa felicidade em sua tez, Liza

-Dedicado à Liza Souza Brito.

THRILLER SCENE

Estávamos a entrar numa área escura
No subsolo, acima não havia
Ninguém. Era a iluminação uma pura,
Rústica ferrugem sangüínea. Via

Ali o vil, coisa viva ali sofria.
Era penetrar a furna da morte,
A imaginação já se fazia fria
E ouvida, ai de mim e da minha sorte!

O que o fez não sei, mas, não, não se explica
Porque é então que depois eu achei na cerca
Cada corpo sem suas formas distintas,

Presos em membranas, verticais macas,
Constituindo uma cadavérica
Incubação de endoparasitas.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

LES ENFANTS TERRIBLES

Humanidade, se me acanha agora
Na hora da escolha saiba: não demora
Para que eu opte pela única saída
No fogo, minha promessa de vida

Meu sangue em veias e artérias latejantes
Faminto e pressuroso, escaldante
Por meu pai eu fui ensinado a respeitar
O orar, o ter, o morrer ao despertar

Sem precisar crer, porém creio no pensar
Penso que o derradeiro está a avançar
E virá de dentro de mim, o certo

Pois qual dos irmãos, o que só descansa
Samaritano, ou o que isto professa
O príncipe, verá o triunfo de perto?

COMO COMER E CORRER

Largas passadas e grandes bocados
Num globo caindo à beira do penhasco
Que desce ao mar donde tem decolado
O pteranodonte em caça ao pescado

Imprimiram no chão já muito mudado
A erosão, a corrosão, os carrascos
O edifício por ser fossilizado
Em sonho a nunca ser alcançado

Porque se estica a perna mais do que
Se cabe, se come mais que o que aqui
Se sabe, que carece, e sê esperto

Pára, olha, escuta – então ampara!
Não precisa descuidar da mentira
Só correr e comer do jeito certo

CRISE

Crise

A lua à deriva no céu do escuro ao azul claro
A obrigação que tenho é tão logo encarcerada
A inspiração é sufocada pelas pálpebras cansadas
A festa, de longe, parece uma galáxia

Noite

A garrafa permanece assim silenciosa
A festa faz fagulha e faísca, nebulosa
A pedra em que jazo é tácita, concreta e fria
A terra amarela e suja, cheia de estrias

Tarde

É por onde sopra macia a brisa morosa
E o meu faro, paro, sinto, perfumada
Tentadora, cheirosa lembrança da música abafada
Pela distância... A dança da – e na – Via-láctea

Dorme

O dia raia, mas mesmo a enxaqueca fica
E as contas debutaram em dívidas
A festa é escombros, o chão é tipo um lixão
A pedra é quente e a garrafa vazia
Feito a grande via-láctea na ressaca
Que quebra em cósmicas e vívidas
Explosões, findou a festa, mas radiações
Perduram, assim como o cansaço –
assim como Zaratustra dizia –.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

SECA AZUL-MARINHO

Apenas o vento corre pelos percursos
Delineados por solitários inselbergs
Rochas remanescentes enormes, icebergs
Seria mais apropriado termo, pois no russo
Inverno são aprisionadas, feito almas
Imóveis, inalcançáveis no inferno de gelo
Em que foram capturadas. Só há zelo
Da luz do sol, à iluminá-las, as pedras más
Gritam do ardor da lava, magma azul marinho
Estático, tudo estático, um deserto
Não há nenhum tipo de movimento que decerto
Mostraria um metabolismo de homogêneo
Ecossistema abiótico, mais uma vez
Só há vento, só há gelo, só há rocha, só há solidez
Sobre o chão onde piso a água perdeu toda a sua fluidez
E sob ele ela parece uma resina. Vês
Tu o quanto o jardim da minha alma é insólito?
Vácuo... Vago... Vasto... E insólito...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

MIL FACAS

Ó, onde é que estava? Que estive fazendo?
E, antes que me esqueça, que faço agora?
Isso parece um bocado de água, escura
Congelante, só água, um deserto, sendo
Assim tão negro e sombrio, tão noturno
Tão profundo e infinito é esse oceano

Eu não lembro de nada, só que acordei
Com água pelo pescoço e sem nenhum chão
É um pesadelo ou o quê, piada? Mexam-
Se os membros, mas tão logo arrependei
Porque o gelo corta cada um feito
Mil facas, dilacerando o peito

E o coração homeostático teima, teima
O meu espírito queima como pode, contudo,
Se a lógica bem observa, hei de a chama
Ver apagar, já visto que só de vontade
Nada no ser humano se vale, à saber
Afinal, que é assim mesmo que tem de ser

Na vida há pancadas e as feridas
São mais teimosas que a alma, a alma!
Coitada da pessoa que escarnece
Há de se ver no meu lugar, às calmas,
Bem às calmas de quem se enternece
Deixo ser dragado pras proferidas

Linhas do destino encruzilhadas
O meu espírito reluzente
Na sopa de renitentes almas insaciadas!

FETIDEZ

É assim a treva que me ronda
Arrasta-se feito lama
Uma negra palidez, uma
Criatura escura pálida

Com pseudópodes aponta
Mais um passo, e outra pessoa
Mais uma vítima na ponta
Da presa, seu rugido soa

Cá estou, refugiado, aqui
Sobre uma lâmpada em que
A brancura por mim criada

Não passa de mais uma cela
Cujos vãos lembram janelas
Através das quais se observa a destruição da raça privilegiada.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

ESCASSEZ

Atravessando o árido deserto da escassez
Escrevi meu nome na terra rachada pela seca
Com um pedaço de pau retorcido, outra vez
Com um garrancho nas mãos desenho as cercas
Onde já encarcerei meu próprio espírito
Para que não vague nestas terras castigadas
As únicas e mais improdutivas que, atônito
Recebi, molhando-as, xiringando da face chagada
As impudicas lágrimas, menos salinas que a rocha
Sobre a qual edifico minha casa, digo, pelo menos
Fica o desenho da obra, numa terra que já foi roxa
Agora causticadas, sem lembranças do vento terno
Imploro as migalhas dos abraços, já fui na vida acossado
Por dono de empresa, pelos escritores da imprensa
Já fui em vida imprensado por seis paredes
Na insônia, na doença, tão cansado, assim na rede
Sem parar de pensar na imensidão do sertão
E o quanto ele todo vale nada frente à minha miséria
Aspereza, faz mais de dois mil anos que o ouro virou pó
Nessas noites, sabe, o pó do ouro salgando a terra
A rima não se acerta, o urubu me sonda
Cheirando o suor da minha roupa pelo canto
Da vista, esperando que minha alma se esconda
E ele terá a recompensa pela qual esperou tanto
No cochilo do morto, ele bica meu olho

ESTRANHO

O ouro decai, e os raios de sol vem
É estranho, é esquisito, tô dizendo
É como se o eco da radiação
Imprimisse bem, bem, bem sutilmente
O calor na paisagem. E, a vendo,
Sinto-me numa área da mente
Cujas memórias são gravadas em
Fotos antigas, sem datação-
Amareladas, amareladas!
É estranho, é esquisito, meesmo!
Tô respirando o pó do tempo
Presente, pó de madeira, de ouro,
Mas pra raspar o ouro não tivemos
Tempo, salpicar o solo mouro
E ver as estrelas oxidadas
Pelo laranja sendo ofuscadas
Laranja do céu no horizonte
Porque estou aqui olhando já faz duas horas

domingo, 28 de setembro de 2008

REGRESSO

E aí, relógio, muito bom te ver de novo
O seu ponteiro parece andar muito bem,
de nada.
Nem sei mais por que o tempo anda tão curvo
E também porque os sulcos não deixam ninguém
por nada.
É só que os crivos da realidade, os túbulos,
Túneis, buracos de minhoca ou mesmo túmulos,
Se preferir, esses ocos da existência,
Que ao morrer por esses vácuos todos passarão,
Preservam sem pensar em qualquer desistência
Nossos corpos, féretros espetados na geleira,
Feito água, feito água congelada com areia.
A Antártida se encontra permeada por cada caixão
Volto aqui a observar a vida pela janela dos meus olhos, esta casa de inverno estava fechada, mas voltei, acendei o fogo do fluxo de consciência!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

SIMULTANEIDADE

Uma borboleta bate as asas em Pequim;
No Central Park faz sol;
No sertão uma rajada de radiação à pino;
A Sibéria sofre com o aquecimento;

Há alguém comprando tinta nanquim, pintando sinos
Que viu numa catedral
Em viagem ao Nordeste. Quanto conhecimento
Foi levado ao outro lado do mundo...

Ontem, estava sob o efeito do pôr do sol, mas
Isso foi há um ano,
E ontem acabou de passar, pois acordei
Faz pouco tempo, pelo que lembro talvez

Do céu vermelho, estava no carro, olhando as
Nuvens no seu afano -
Um ano atrás, dois meses, ontem, eu nem sei
Em que época estamos! -... Que pequenez...

Arrastando-me pelo azul, floco de neve
A enrubescer tanto...
Dias atrás, em uns acasos simultâneos
O mundo se desfez, e agora isso!

Contando os dias para que as horas passem...
Estão demorando, o manto branco,
O crânio, polido, me mantém preso
Aqui dentro, nisso, frio, mas leve
4 janelas, barras de dentes... Tudo se mistura;

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

ELEGIA

Ó, fruto sagrado!
Ó, atrocidades mil!
Ó, eleição divina!
Ó, velhos discos de vinil!

Vão deixar meu samba
Apodrecer na rua
Feito cachorro velho
Ignorado aos assobios

Assim na corda bamba
Nessa verdade nua
Num turbilhão estéreo
A me assoprar dos lados

Brincando comigo assim como alguém chuta
Uma lata amassada, uma carcaça na calçada
O cão sem dono, mas amigo de todos, na justa
Hora em que morre, arrebatado numa tragada





Eu me encontro, depredado
E por mim mesmo, confinado
No consultório psiquiátrico
Da epifania e auto-análise

Irônico e sarcástico
Publicamente gentil
Internamente sagaz
Altamente febril

A anedonia e também a autólise
Gravam em mim as tatuagens
Das intempéries e estiagens
30ml é uma baixa dose

Para acelerar o passar do tempo, e
Me levar logo à ti, me desculpar
Ao saber do que fiz, o que ouvis
É minha apologia, uma elegia que

Muito em breve terminará

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

SUPERAÇÃO

Gestos... sons... turbilhões trêmulos,
Tempestades em copos d’água...
Horizontes impassíveis, os
Velhos traços, eis aqui mágoa.

Ressentimento velho, já era...
Inerte dentro do veículo
Que tão logo me acelera
Em doze horas me vejo

A pé na calçada
Pessoas correndo
Vácuo surgindo

A fé superada
Eu sou dragado
Vórtice criado

Do coma eu acordo trépido,
Os sentidos lentamente vêm
De volta da nauseante, também
Movediça temeridade...

O mesmo raciocínio de
Antes, e me sinto pérfido...
Finalmente estou aquém da traição
A que me lancei, ambas as mãos

Abertas, em queda livre
No meio da passarela
De pé, e caindo sempre

Perdido na aquarela
Que borra do céu, entre
Gotas... Chora! Estala!

Dentes com dentes! Ranja!
E a aquarela apenas fica mais borrada quando a encaro entre lágrimas...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

SONHO NEGRO

Ó, Volúpia e Sonhos defasados!
Quanta Mesmice, sexo sem Tato!
Minh’alma estremece, intumesce
Inchada de execrabilidade

Palavras enormes, palavras, tão
Malucas, misturadas, que farão
Sopas de letrinhas Oceânicas
Dos mandarins em ruas titânicas

Placas com mais placas e outdoors
Hoje tem um show do “The Doors”
Na cidade mais próxima

Ó, nuvens, negras, brancas, Altas
Altaneiras, invisíveis, só
Apenasmente mais nada!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

FILHO DO VAZIO

Filho deserdado e sem genitor,
Órfão do vazio...
Deformado do nada frio,
Sem qualquer calor.

Sem qualquer resquício do gerador.
Chega a ser alívio consolador
O decreto de morte expedido
Para o motor que tem expelido

Todo o combustível
Sem nenhum pudor,
Plano infalível!

Pois Agora acabou!
Será a vida isso,
E ninguém me falou?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

SOBRADO

O compasso furtivo do sol
Mais lento do que o pêndulo
Suíço,é elevado trêmulo
Como um feixe vermelho lento
Que na madrugada azul raiou

E as horas que levam seu tato
São surdas para o grito
Abandonando seus traços ao
Longo desse caminho,qual
Por escolha própria eu sigo

Quase obcecado pelos olhos de Ísis
Cuja paixão suprimida pelas pálpebras
Cansadas de há muito chorarem lágrimas
Secas e salgadas e mudas por Osíris
Tanto penaram frustrações e lágrimas
Invejas e mágoas, desenganos horríveis

Tanto visaram o próprio eu
Na frente do espelho morreu
O fantasma da alma, nasceu
Uma nova corrente na frente
Desse rosto que se encara

Arrastando o cadáver do passado
Corrente pesada, passado pesado
Junto com os traços, em todos os rastros
Eu miro para apontar meu destino
E assim seguí-lo.

domingo, 22 de junho de 2008

SOCIEDADE METALÚRGICA ESPIRITUAL

A que diga o ourives servindo o rei

E os toscos ouvintes da rádio Cereja

Quanto às nuvens que deslizam hoje

E a lua que rola sem eira nem beira

Apenas faça do ouro lingotes e barras

Da música companhia sem hora marcada

Das horas um caminho maior que o horizonte

Que te levará sem explicar para não sei aonde

O amarelo do sol que enferruja a firmeza

Da manhã de segunda, quarta e sexta

Derrete as bordas e silhuetas

De pessoas, árvores e mesas

Dispostas em calçadas, ruas, restaurantes

Em espiral se retorcem suavemente

Antes que se perceba o trabalho foi feito

De um jeito ou de outro, pronto e sem medo

Aqui jaz a obra de arte de cada um

Olhada por todos e por mais nenhum

Muita saudade, muita incerteza

Nenhuma piedade, toda rudeza

A cara de quem passa fome

A insolência de quem não sabe o que come

Sem estar aquém da sutileza

Com que é enganado ao sentar na cadeira

Bem como o orgulho de quem é sepultado

E que jamais poderá ser alcançado

E daqueles cujo orgulho está morto

E se lançam ao chão pedindo aos outros

Também a raiva e a língua tesa

De quem assiste o mundo nas telas

Do televisor, do pintor, das bordadeiras

O vendo rolar a ribanceira

Também o frio do vento que vem carregando

As vidas das pessoas que vão se lançando

Sem mais nem menos ao sabor do existir

Sem esperar pra saber quando chega o fim

Isso tudo é fruto da nossa inocência

Isso tudo é coisa ruim de quem pensa

E também de quem não

Também de quem não o faz

Porque a Terra é tão

Cheia de gente sagaz

Que aceita tudo o que a realidade deve ser

Sem questionar tudo antes de ver

Pergunta metade das coisas e ainda diz uma coisa saber

Isso acontece com todos, comigo e ainda com você

Apenas deixar a vida em paz

Seria o mesmo que morrer?

PROMESSA

A promessa de que o futuro é um destino certo
Demorou um bom tempo para entrar na minha cabeça
Já que a todo momento nós inventamos decretos
Como nova promessa para que a velha desapareça

O destino dos humanos não deveria ser
Algo que diga respeito às pessoas
Já que cada um busca o seu querer
Sem o intento de buscar o das outras

“Cada um é adulto e pode cuidar de si mesmo, então deve seguir em frente sem precisar de conselho
Cada um é cada um e um só no espelho, então não deve se sentir só a ponto de cair em desespero
Não está certo prometer por alguém algo que alguém deve cumprir, não procure pela preguiça que ela não está aqui
Decerto você que aceitou a mão de alguém, só sabe cair, não aprendeu a andar sozinho e agora implora por aí”

Não é isso o que dizem?
Não é esse o conselho?
Não é esse o egoísta
E único exemplo?

“Eu não pedi que você me salvasse, eu nunca deixei de enfrentar as coisas com seriedade
Eu nunca quis que você me mudasse, eu só pedi um abraço quente e sua fidelidade”
“Eu nunca fiz algo de ruim ao próximo, olho só para frente e ocupo meu ócio
Eu sempre fui ensinado a seguir meu caminho, cada um nasce e morre sozinho”

Não é isso que ensinam?
Não é isso que é certo?
Não é isso através da história
Senso perfeito de brilhante e perfeita glória?

Não é isso que se aviva no ululante comum
Que se ensina a ser e morrer por mais nenhum
Além daquele se vê sozinho no espelho
Quando se toca os próprios cabelos?

(Se se tiver cabelo)